
Estudante cego recebe prova errada no Enem, tem reaplicação negada pelo Inep e Justiça manda refazer exame Arquivo pessoal O estudante Alison Marques, que é deficiente visual, recebeu um caderno de prova inadequado durante a aplicação do Enem 2025, o que comprometeu seu desempenho nos dois dias de exame desse ano. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias do RJ em tempo real e de graça Mesmo após pedir a reaplicação com base no edital do Enem, a solicitação foi negada pelo Inep, que alegou não haver “problema logístico” para autorizar um novo exame para Alison. "Me senti injustiçado (...) Sem a descrição das imagens, figuras, tabelas, gráficos, fica mais difícil ter o entendimento sobre a questão", relatou Alison ao g1. A negativa levou a família do jovem a recorrer à Justiça Federal, que concedeu liminar no dia 11 de dezembro determinando a reaplicação das provas. Contudo, o local onde Alison fará o novo exame só foi informado à família nesta segunda-feira (15), na véspera da reaplicação marcada para os dias 16 e 17 de dezembro. Enem 2025: RJ é o estado com mais inscritos acima de 60 anos Problemas na prova aplicada Alison, de 31 anos, se inscreveu regularmente no Enem 2025, com o sonho de passar para o curso de Administração, de preferência em uma universidade pública. O Inep, instituto responsável por organizar a prova, autorizou que Alison tivesse os recursos de acessibilidade previstos no edital, como auxílio de ledor, auxílio para transcrição, sala de fácil acesso e tempo adicional. Esses recursos são direito do candidato com deficiência visual. Por ser cego, ele deveria ter realizado o exame com o Caderno do Ledor – Caderno 9 (laranja), que contém a descrição textual de imagens, gráficos, tabelas e figuras. No entanto, nos dois dias de prova, 9 e 16 de novembro, o estudante recebeu o Caderno de Atendimento Especializado, que não possui nenhuma descrição de elementos visuais. À esquerda, uma questão da prova regular do Enem, sem descrição da imagem. À direita, a mesma questão no Caderno Laranja, com descrição da imagem para o ledor da prova. Reprodução O tipo de caderno que o estudante recebeu é idêntico à prova regular no que diz respeito ao conteúdo gráfico, o que inviabiliza a leitura adequada por parte do ledor. "Eu percebi que tinha recebido a prova errada no dia que saiu o gabarito do primeiro dia da aplicação da prova, que eu pedi para a minha sogra para ela conferir o gabarito para ver quantas questões eu tinha acertado. Ela conferiu e depois foi comparar as questões e ela viu que não tinha descrição na prova que eu tinha recebido", disse Alison, que relembrou que a namorada também passou pelo mesmo problema em 2019. Segundo Alison, no primeiro dia do exame, 53 questões continham imagens sem descrição. Já no segundo dia, o problema foi ainda mais grave, quando 77 das 90 questões dependiam de elementos visuais para compreensão. "Receber a prova certa com descrição é muito importante para os deficientes visuais porque traz detalhes sobre a questão que ajuda a compreender melhor. Ajuda nas tabelas, nos gráficos, nas figuras que têm relação ao texto. É muito importante para poder compreender a questão e poder responder de forma certa", explicou o candidato. Diferença entre os modelos De acordo com as regras do Enem, participantes com deficiência visual que utilizam ledor no dia do exame devem realizar a prova com um caderno específico. É esse material que permite ao profissional fazer uma leitura padronizada, objetiva e isonômica das imagens presentes nas questões. Sem esse caderno, o ledor não tem respaldo técnico para descrever gráficos, mapas ou esquemas, o que compromete o princípio da igualdade de condições entre os candidatos. "Sem a descrição das imagens, figuras, tabelas, gráficos, (...) o leitor passa a visão que ele está tendo do que ele está vendo na questão. Não passa sobre os detalhes que às vezes tem numa figura, num texto para usar a comparação para poder responder", reforçou Alison. Na ação judicial, a defesa de Alison anexou comparativos entre o caderno correto (Caderno do Ledor) e o material que foi entregue ao estudante, mostrando que as descrições estavam completamente ausentes. Inep negou reaplicação Após a aplicação das provas, Alison solicitou administrativamente a reaplicação do exame com base no edital do Enem 2025, que prevê nova aplicação em casos de “erro de execução de procedimento de aplicação que incorra em comprovado prejuízo ao participante”. Apesar disso, o Inep indeferiu o pedido, afirmando que o ocorrido “não caracteriza possível problema logístico que justifique nova aplicação”. "Eu mandei (o pedido de reaplicação) de forma correta, com as provas, dizendo tudo certinho o que tinha ocorrido, e eles, acho que automaticamente, mandaram a resposta, negando, nem se preocuparam em ler", relatou Alison. A resposta foi considerada genérica pelo estudante, que também registrou reclamação na ouvidoria do órgão. Sem retorno efetivo, a defesa acionou a Justiça Federal por meio de um mandado de segurança. Justiça aponta falha logística Na decisão liminar, assinada pelo juiz federal Wilney Magno de Azevedo Silva no dia 11 de dezembro, a Justiça entendeu que houve erro na execução do procedimento de aplicação do Enem. Candidatos entram para fazer o Enem na sede da Uerj, campus Maracanã Alexandre Durão/G1 O magistrado destacou que Alison teve os recursos de acessibilidade deferidos no momento da inscrição e que, ainda assim, não recebeu o caderno adequado, o que violou o direito à igualdade de oportunidades e às normas do Estatuto da Pessoa com Deficiência. Para o juiz, a falha do Inep se enquadra como problema logístico previsto no edital e causou prejuízo comprovado ao estudante, o que justifica a reaplicação. “Reputo que a conduta do INEP caracteriza a ocorrência de ‘erro de execução de procedimento de aplicação’, nos termos do item 13.4.1 do Edital, já que incorreu em comprovado prejuízo ao participante, ensejando o direito do impetrante à reaplicação da prova”, escreveu o juiz Wilney Magno. Na sequência, o magistrado afirmou que a aplicação da prova sem o caderno adequado violou o direito à igualdade de oportunidades, garantido por lei às pessoas com deficiência. “O não atendimento, pelo INEP, das opções feitas pelo impetrante à época da sua inscrição violou o direito à igualdade de oportunidades do estudante, princípio reconhecido na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência”, dizia parte da decisão. Além disso, a decisão apontou risco de dano irreparável, já que o edital prevê apenas uma reaplicação do Enem em 2025, nos dias 16 e 17 de dezembro. "Reputo presente a possibilidade da ocorrência de lesão irreparável ao direito do impetrante, em decorrência da proximidade da realização da reaplicação da prova, a qual ocorrerá apenas uma vez, nos dias 16 e 17 de dezembro de 2025”, completou o magistrado. Com a decisão, a Justiça determinou que o Inep: acolha imediatamente o pedido de reaplicação; inclua Alison na lista de participantes da reaplicação do Enem 2025, junto ao Enem PPL; assegure a entrega do Caderno do Ledor, com descrição integral de imagens, gráficos e tabelas, viabilizando o trabalho do ledor. A decisão também prevê o cumprimento imediato da ordem judicial e a intimação das autoridades responsáveis pelo exame. Local da prova só foi informado na véspera Apesar da liminar ter sido concedida no dia 11, a família só foi informada sobre o local da prova nesta segunda-feira (15), um dia antes da reaplicação, sobre o local onde Alison fará a prova. A reaplicação está marcada para os dias 16 e 17 de dezembro, as únicas datas previstas em edital para candidatos prejudicados durante a aplicação regular do Enem 2025. A reportagem do g1 procurou o Inep para entender por que o pedido de remarcação da prova de Alison não foi autorizada antes da decisão da Justiça e porque a confirmação do local da prova só foi feita às 8h20 do dia 15 de dezembro, véspera da primeira prova remarcada. Contudo, até a última atualização desta reportagem, o g1 não teve retorno.
