Romã pode ajudar o coração? O que a ciência já sabe sobre a 'fruta da sorte'

Published 4 hours ago
Source: g1.globo.com
Romã pode ajudar o coração? O que a ciência já sabe sobre a 'fruta da sorte'

Conheça o benefícios da fruta romã Associada a rituais de prosperidade no fim do ano, a romã ganhou nos últimos anos um novo tipo de fama: a de possível aliada da saúde cardiovascular. Mas até que ponto essa reputação se sustenta fora da tradição e dentro da ciência? A resposta é mais complexa — e mais interessante — do que a ideia de que “faz bem” ou “não faz”. A romã reúne compostos que chamam atenção de pesquisadores pela capacidade de reduzir processos inflamatórios e oxidativos no organismo, dois mecanismos centrais na formação da aterosclerose, doença que leva ao entupimento das artérias. Mas, ao mesmo tempo, faltam estudos de grande porte em humanos capazes de medir seu impacto real sobre infartos, AVCs e mortalidade. Ou seja: há potencial, mas ainda não há consenso. Cup of Couple no Pexels Por que a romã entrou no radar da cardiologia O ponto de partida está na composição única da fruta. A nutróloga Andrea Pereira, integrante do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer, explica que a romã é especialmente rica em polifenóis — antioxidantes potentes que, em laboratório e em modelos animais, reduzem inflamação, estresse oxidativo e até a formação de placas de gordura nos vasos. “Alguns estudos demonstram que esses compostos podem auxiliar na redução da pressão arterial e na progressão da aterosclerose”, afirma. Mas ela faz um alerta importante: “Ainda faltam artigos robustos em humanos. O que existe é promissor, mas insuficiente para criar recomendações formais.” Esses compostos incluem um grupo que é praticamente a “marca registrada” da romã: as punicalaginas, antioxidantes muito potentes que, depois de digeridos, se transformam em moléculas que ajudam a reduzir processos inflamatórios no organismo. A presença desses polifenóis explica por que a romã é frequentemente comparada a outras frutas ricas em antioxidantes — mas, segundo pesquisadores, com um perfil químico mais potente e mais variado. O que os estudos já mostraram (e o que ainda não) A nutricionista e pesquisadora Maria Fernanda Naufel, PhD pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), destaca que existe um corpo crescente de evidências clínicas que investigou sucos concentrados e extratos da fruta. “Ensaios clínicos randomizados, estudos de intervenção e meta-análises já observaram reduções de marcadores inflamatórios, queda do LDL oxidado e diminuição da pressão arterial após o consumo regular de suco de romã”, afirma. “Esses resultados aparecem, sobretudo, em trabalhos que utilizaram 200 a 220 ml diários de suco, a dose mais comum na literatura científica.” As evidências vêm de diferentes frentes. Uma meta-análise publicada no Journal of the American Heart Association avaliou 14 ensaios clínicos e encontrou redução consistente da pressão arterial em curto prazo entre participantes que consumiam suco de romã diariamente. Já revisões sistemáticas reunidas no repositório PubMed Central, ligado aos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH), descrevem efeitos anti-inflamatórios e uma diminuição da oxidação do LDL — o “colesterol ruim”. Nesse processo, essas partículas de LDL sofrem danos causados por radicais livres e se tornam mais reativas. Quando oxidado, o LDL passa a se infiltrar com mais facilidade na parede dos vasos sanguíneos, favorecendo a formação de placas de gordura e acelerando o desenvolvimento da aterosclerose. É exatamente essa etapa — o início do entupimento das artérias — que alguns estudos sugerem que a romã pode ajudar a retardar. Nos estudos clínicos, o suco também aparece como um agente capaz de melhorar a função do endotélio, a camada que reveste os vasos sanguíneos e cuja disfunção está no centro de doenças cardiovasculares. Essa melhora ajuda a explicar os efeitos sobre pressão e fluxo sanguíneo. Mas todo avanço vem acompanhado de uma lacuna. “Daqui para frente, o que falta são grandes estudos prospectivos, com milhares de pessoas acompanhadas por anos, para responder à pergunta mais importante: esses efeitos intermediários realmente se traduzem em menos infartos, AVCs e mortes?”, explica Naufel. Até lá, a fruta segue como coadjuvante, não como intervenção terapêutica. Cardiologista do Hospital Icaraí, Cláudio Catharina reforça essa cautela. Para ele, embora haja uma base teórica convincente, isso não se converteu — ainda — em impacto clínico mensurável. “Os resultados não são consistentes entre os estudos, e alguns achados até se contradizem. Não há evidência suficiente para indicar a romã como tratamento para colesterol, pressão ou inflamação.” Simpatia de ano novo diz que colocar semente de romã na carteira traz prosperidade Reprodução Fruta, suco ou cápsula? O que realmente importa Para quem está no supermercado diante da romã, a dúvida prática é outra: o que funciona mais? A resposta depende do objetivo. A fruta in natura oferece fibras, menor carga de açúcar e um aporte moderado de polifenóis — um pacote mais equilibrado para consumo cotidiano. O suco, especialmente o concentrado, tem a vantagem da concentração muito maior de polifenóis, o que explica por que ele aparece com mais força nas pesquisas. Por outro lado, perde fibras e concentra açúcares livres, o que exige parcimônia, especialmente para diabéticos. Extratos e suplementos, por sua vez, parecem reproduzir apenas parte dos efeitos. Andrea Pereira é clara: “Não existe recomendação médica para o uso de extratos de romã, porque faltam pesquisas em humanos e porque estes produtos podem interagir com medicamentos.” Interações e cuidados O benefício por si só não é o único ponto analisado pela medicina — a segurança também pesa na balança. Segundo Catharina, a preocupação não está na fruta em si, que é segura mesmo para quem usa medicamentos cardíacos, mas nos extratos altamente concentrados de romã, cuja composição é muito diferente da do alimento natural. Esses produtos podem inibir enzimas do fígado responsáveis por metabolizar estatinas e anticoagulantes, fazendo com que os remédios permaneçam no organismo por mais tempo do que o esperado. Nessa situação, o risco é de potencialização indesejada do efeito das drogas — o que pode aumentar sangramentos em quem usa anticoagulantes ou intensificar efeitos adversos de algumas estatinas. “É preciso cautela”, afirma o cardiologista, especialmente porque grande parte dos pacientes cardiopatas no Brasil utiliza ao menos um desses medicamentos. A fruta in natura, porém, não carrega esse risco. Consumida como parte da alimentação, ela é considerada segura e não apresenta contraindicações para a maioria das pessoas. Freepik Romã é melhor que outras frutas antioxidantes? Naufel explica que a vantagem da romã não está na comparação direta, mas na singularidade de seus compostos. Ela reúne polifenóis que não aparecem juntos em outras frutas — incluindo punicalaginas e elagitaninos em altas concentrações — e isso cria um padrão diferente de ação no organismo. Por isso, a romã costuma se destacar em estudos focados em inflamação vascular, estresse oxidativo e hipertensão leve. Mas, como reforça Andrea Pereira, isso não significa superioridade absoluta. “Ela não oferece um benefício distinto a ponto de substituir outras frutas. O mais importante é o conjunto da dieta.” Vale apostar na romã para o coração? No fim, a resposta é equilibrada — e talvez menos mágica do que a tradição sugere. Tudo o que a ciência já observou aponta que a romã tem, sim, potencial cardiovascular. Mas esse potencial é coadjuvante, não curativo. Não substitui remédios, não controla o colesterol sozinha e não impede infartos. E, como resume Naufel, “se usada de forma contínua e dentro de um padrão alimentar saudável, pode oferecer benefícios modestos, mas reais, sobretudo para quem tem risco aumentado”.

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