
Mestre Alessandro ensina sobre as letras ribieinhas a estudantes da rede pública da Jarbas Passarinho ILQF Estudantes da Escola Municipal Jarbas Passarinho, no bairro do Marco, em Belém, aprendem um novo alfabeto. Ele não cabe na cartilha nem no quadro branco. No lugar de papel e caneta, tintas e pinceis. Ao invés dos professores, mestres ribeirinhos conduzem o aprendizado da Letra Decorativa Amazônica, escrita pintada à mão que navega pelos rios da região há mais de um século e marca a identidade visual das embarcações ribeirinhas em cores, curvas e sombras. Ao longo da semana, os alunos do ensino fundamental participam de uma oficina artístico-educativa que culmina, no dia 18 de dezembro, na pintura de um mural na escola, levando essa visualidade ribeirinha para o espaço urbano e criando diálogo entre a Amazônia das águas e a Amazônia da cidade. O projeto do Instituto Letras que Flutuam, com patrocínio da Riachuelo via Lei Semear, leva aos jovens da rede pública de ensino essa tradição do design popular do Norte do país. Tradição secular que chega às novas gerações Região marcada pela força dos rios, a Amazônia abriga uma das mais singulares tradições gráficas do país. Milhares de embarcações cruzam rios, igarapés e furos floresta adentro, quase sempre identificadas por caligrafias coloridas feitas à mão pelos abridores de letras. A tradição surgiu por volta da década de 1930 e se consolidou nos anos 1960, quando passou a ser obrigatória a identificação dos barcos. Em 2025, o ofício completa 100 anos, consolidado como um dos principais patrimônios visuais da cultura amazônica. Alunos mostram letras coloridas que aprenderam a criar: tradição secular passada para nova sgerações ILQF Durante a oficina, que começou dia 16 de dezembro, os estudantes aprendem, de forma prática, como nasce um mural: acompanham a medição do espaço, registram limites e irregularidades do muro, formam grupos, criam propostas de layout com lettering e paisagens ribeirinhas e participam da votação coletiva que define o desenho final. No último dia, o projeto entra em sua fase mais visível, com a transferência do desenho para o muro e o início da pintura, dividida por etapas e funções, sempre conduzidas pelos artistas convidados. Entre os mestres que acompanham os alunos está Odir Lima Abreu, um dos maiores abridores de letras da Amazônia, com 68 anos e trajetória consolidada em Soure, no arquipélago do Marajó. Referência no ofício, Odir construiu uma assinatura visual reconhecida nas embarcações da região e hoje atua ao lado do filho, Alessandro Abreu, dando continuidade a um saber transmitido na prática, de geração em geração, às margens dos rios amazônicos. “A gente aprende olhando e fazendo. Foi assim comigo e é assim que ensino hoje”, afirma o mestre, ao explicar como a tradição segue viva no cotidiano ribeirinho. Alunas abrem letras durante a oficina: aprendendo um novo alfabeto, o alfebeto ribeirinho ILQF Para Fernanda Martins, pesquisadora e presidente do Instituto Letras que Flutuam, levar essa tradição para dentro da escola é uma forma de reconhecimento e continuidade. “A letra ribeirinha é tão estruturante para a Amazônia quanto a música, a dança ou a comida. Ela expressa território, memória e identidade. Quando os estudantes aprendem esse alfabeto, eles aprendem também a olhar para a Amazônia a partir de seus próprios códigos visuais”, afirma. Criado a partir de mais de 20 anos de pesquisa, documentação e ações de valorização, o Instituto Letras que Flutuam é o primeiro do Brasil dedicado exclusivamente à cultura ribeirinha e ao ofício dos abridores de letras. Desde 2004, o projeto já mapeou mais de 100 mestres em municípios como Belém, Icoaraci, Abaetetuba, Igarapé-Miri, Barcarena, Soure, Salvaterra, Curralinho e Breves, além de realizar oficinas, ações de geração de renda, livros e documentários sobre o fazer tradicional. Ao ocupar o muro da escola, a oficina transforma o aprendizado em paisagem urbana. Além de um exercício artístico, o mural se torna um gesto de valorização dos abridores de letras e da identidade criativa do Norte, afirmando que a Amazônia também se escreve em cor, traço e memória — agora, visíveis na cidade. Serviço: Oficina com mestres abridores de letras na EEEFM Jarbas Passarinho, na Av. Rômulo Maiorana, 2309, bairro do Marco, em Belém. No dia 18 de dezembro, a oficina será de 7h às 12h, com pintura do mural. VÍDEOS com as principais notícias do Pará
