Lindomar Castilho, cantor que deu voz ao que o povo queria ouvir, personificou o drama na música e na vida passional

Published 4 hours ago
Source: g1.globo.com
Lindomar Castilho, cantor que deu voz ao que o povo queria ouvir, personificou o drama na música e na vida passional

Lindomar Castilho, o 'Rei do Bolero' e assassino de Eliane de Grammont, morre aos 85 anos ♬ Eu canto o que povo quer. O título do álbum lançado por Lindomar Castilho em 1974 traduziu o tom popular do repertório desse cantor e compositor goiano que morreu hoje aos 85 anos. A música que abria esse álbum se chamava Você é doida demais e era de autoria do artista em parceria com Ronaldo Adriano. Você é doida demais justificou o título do disco, tocou exaustivamente nas rádios de todo o Brasil e ganhou novos ouvintes quando, entre 2001 e 2003, foi ouvida novamente em todo o país nas noites de sexta-feira – na gravação original feita por Lindomar em 1974 – como o tema de abertura do seriado Os Normais, exibido pela TV Globo e protagonizado pelo casal Rui e Vani, personagens dos atores Luiz Fernando Guimarães e Fernanda Torres. Nem todos os seguidores de Os Normais identificavam na voz de Lindomar Cabral (21 de janeiro de 1940 – 20 de dezembro de 2025) o cantor que protagonizou na vida real um drama passional, de desfecho trágico, que até poderia ser o enredo da letra de um dos muitos boleros e sambas-canção gravados pelo artista ao longo da discografia iniciada na década de 1960 na gravadora Continental. Lindomar Castilho na capa do álbum 'Eu canto o que povo quer', de 1974 Divulgação Mas era tudo verdade que foi parar nas primeiras páginas dos jornais e nas capas de revistas. Na noite de 30 de março de 1981, Lindomar entrou movido pelo ódio em direção à boate de São Paulo (SP) disparou cinco tiros em direção à cantora Eliane de Grammont, matando a ex-mulher por ciúme e possessividade. O feminicídio, tão chocante e tão imperdoável quanto os crimes contra mulheres que ainda causam horror nas manchetes e no cotidiano de 2025, abalou bastante, mas não a ponto de encerrar, a trajetória fonográfica do cantor de álbuns como Canções que não se esquecem (1964), Somos iguais (1969), Eu vou rifar meu coração (1973), O filho do povo (1976) e Chamarada (1977). Condenado pelo assassinato da ex-esposa, Lindomar compôs na prisão em Goiânia um álbum de tom confessional, Muralhas da solidão, lançado em 1986 sem a repercussão dos discos gravados pelo cantor nas décadas de 1960 e 1970, sobretudo nos áureos anos 1970, quando o cantor já tinha trocado a gravadora brasileira Continental pela multinacional RCA-Victor. Nessa época de apogeu, o sucesso do cantor extrapolou as fronteiras do Brasil. O cantor se tornou “O namorado de las Americas” em referência ao êxito obtido nos países de língua hispânica, receptivos aos boleros sentimentais de Lindomar. Na África, o cantor teve até busto erguido em Luanda, cidade da Angola. Tudo isso desmoronou com o crime de feminicídio. Lindomar Castilho saiu da prisão em 1988 (em liberdade condicional) e quitou de vez a divida com a Justiça em 1996, mas jamais se libertou do peso do ato cometido em 1981 e do qual afirmava que se arrependia todos os dias. Em 2000, a gravadora Sony Music contratou o artista e lançou o álbum Lindomar Castilho ao vivo, gravado em show apresentado pelo artista em 4 e 5 de fevereiro daquele ano em Goiânia (GO). Contudo, ainda que tivesse certo público, o cantor sempre pareceu um espectro, quase um simulacro, do que Lindomar tinha sido um dia. Talvez porque a passionalidade das letras dos boleros do repertório do artista já não se afinasse tanto com a alma de um assassino acidental que amaldiçoava o ato insano de uma noite que manchou para sempre o nome de Lindomar Castilho. Hoje morre um artista que, até 31 de março de 1981, vinha cantando o que povo do Brasil queria ouvir, mas que, depois daquela noite trágica, teve a chama e a voz apagadas por cometer um crime que não tem perdão.

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