
Centésima São Silvestre tem recorde de inscritos A Corrida Internacional de São Silvestre chega à sua 100ª edição cercada de simbolismo, festa e tradição. São 15 quilômetros pelas ruas do centro de São Paulo, na manhã de 31 de dezembro, reunindo dezenas de milhares de corredores na despedida do ano. Por trás do clima festivo, porém, a prova impõe exigências físicas que vão além do cansaço esperado em uma corrida de rua. Disputada em horário mais tardio e em pleno verão, a São Silvestre expõe os atletas a calor intenso, esforço prolongado e um percurso marcado por descida e subida, combinação que amplia o desgaste do organismo. “Para muita gente, a corrida dura mais de uma hora, podendo chegar a uma hora e meia de esforço contínuo sob temperaturas elevadas”, explica Diego Leite de Barros, educador físico e especialista em Fisiologia do Exercício pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Risco térmico e desidratação Esse cenário aumenta o risco de desidratação, superaquecimento e mal-estar, sobretudo entre corredores amadores. A largada após as 8h, destaca Barros, potencializa a perda de líquidos e eletrólitos pelo suor —um processo que costuma se instalar de forma silenciosa. “Quando a pessoa sente sede, geralmente já está desidratada. A partir daí, surgem outros sintomas, como queda de pressão, tontura e perda de coordenação motora, até se chegar à exaustão térmica, que é a hipertermia”, afirma Barros. Médico ortopedista do Hospital Sírio Libanês, Diego Munhoz reforça que o risco térmico raramente atua sozinho. “O que mais preocupa é a combinação de desidratação com exaustão térmica. Ela pode evoluir para insolação, que é uma emergência médica”, diz. Além do estresse térmico e do desgaste muscular, a São Silvestre também pode funcionar como um teste silencioso para o coração —sobretudo em pessoas que não têm acompanhamento médico regular. Para o cardiologista titular do corpo clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, Elzo Mattar, estar com o check-up em dia é uma medida básica de segurança antes de encarar a prova. “É fundamental saber se a pessoa tem alguma cardiopatia, seja congênita ou genética, ou doenças adquiridas, como a aterosclerose, que podem representar risco durante a prática de atividade física intensa”, explica o médico. Queniano vence a corrida de São Silvestre de 2024 na elite masculina. Reprodução/Tv Globo Segundo ele, condições comuns como pressão alta e algumas arritmias muitas vezes não dão sintomas e só são detectadas em consulta. “Se não tratadas, podem aumentar o risco de infarto, acidente vascular cerebral e até morte súbita”, alerta. Essa avaliação prévia ganha ainda mais importância em uma prova disputada sob calor intenso e esforço prolongado. “O ambiente da São Silvestre impõe uma carga extra ao sistema cardiovascular, o que pode desmascarar problemas que estavam silenciosos”, afirma Mattar, reforçando que a combinação de desidratação, aumento da frequência cardíaca e queda de pressão pode ser especialmente perigosa em quem já tem algum fator de risco. A observação dialoga com o que especialistas em fisiologia e ortopedia apontam ao longo da prova: quando o corpo começa a dar sinais de alerta, insistir não é sinal de resistência, é risco. Multidão, ritmo e sobrecarga Outro desafio pouco visível está na própria dinâmica da prova. Com cerca de 55 mil inscritos, a aglomeração dificulta a dispersão dos atletas ao longo do percurso, atrapalha o acesso aos pontos de hidratação e aumenta a sensação térmica. “Há o calor do verão, o calor humano e o calor do asfalto. Tudo isso amplia a sobrecarga sobre o corpo”, explica Munhoz. Nesse contexto, erros de estratégia se tornam mais frequentes. A descida logo no início da prova leva muitos corredores a forçar além do que estão acostumados. “As pessoas se empolgam com o clima do evento, largam mais rápido do que treinaram e acabam pagando esse esforço mais adiante”, afirma o ortopedista. O resultado pode ser queda brusca de rendimento, mal-estar e, em alguns casos, desmaios. Para Barros, esses episódios não deveriam ser comuns, mas acabam acontecendo justamente pela combinação de distância, calor e preparo inadequado. “O desmaio é um sinal de colapso do organismo, como se o corpo desligasse o ‘disjuntor’ para evitar um dano maior”, explica. Pelotão masculino na São Silvestre, 2023. TV Globo/Reprodução Sinais de alerta não são ‘cansaço normal’ Especialistas alertam que alguns sintomas exigem interrupção imediata da prova e busca por atendimento médico, mesmo que falte pouco para a chegada. Dor ou aperto no peito, falta de ar desproporcional ao esforço, tontura, confusão mental, desorientação, fraqueza intensa, visão turva e náuseas persistentes são sinais de alerta. “Se há alteração de consciência ou perda de coordenação, isso não é fadiga comum. É emergência”, ressalta Munhoz. Do ponto de vista musculoesquelético, forçar nessas condições aumenta o risco de distensões, tendinites e piora de lesões prévias —especialmente nas subidas e descidas do percurso. Hidratação e energia Em uma prova longa e quente como a São Silvestre, apenas água pode não ser suficiente para todos os perfis de corredores. Quem sua mais perde também mais sódio e potássio, o que favorece câimbras e mal-estar. “A reposição precisa ser fracionada e, muitas vezes, incluir eletrólitos, especialmente a partir da metade da prova”, orienta Barros. Beber água em excesso, sem reposição de sais, também traz riscos. “Em situações específicas, pode ocorrer hiponatremia, uma diluição perigosa do sódio no sangue”, explica Munhoz. A recomendação é hidratar-se de forma planejada, testada nos treinos, sem exageros motivados apenas pelo medo do calor. Após cerca de 45 a 60 minutos de corrida, a reposição de carboidrato passa a ser importante para evitar queda de glicemia, que pode causar fraqueza, confusão e sensação de “pane”. Géis e bebidas esportivas ajudam, desde que já tenham sido usados durante os treinos. O dia da prova, alertam os especialistas, não é momento de experimentar nada novo Chegar bem é o verdadeiro objetivo Para quem percebe que exagerou no ritmo, alternar corrida e caminhada —especialmente nas subidas— pode ser uma estratégia segura para reduzir a sobrecarga térmica e muscular. Mais do que performance, a principal orientação é respeitar os limites do próprio corpo. “A São Silvestre é uma prova única, histórica e festiva. Com planejamento, atenção aos sinais do corpo e estratégias adequadas, é possível cruzar a linha de chegada bem, com saúde, e aproveitar tudo o que essa experiência representa”, conclui Barros. Cuidados essenciais para correr com mais segurança Faça check-up antes da prova. Hipertensão e arritmias podem ser silenciosas. Avaliação médica ajuda a reduzir o risco de infarto, AVC e morte súbita durante o esforço. Hidrate-se antes de sentir sede. A sede já é sinal de desidratação. O ideal é ingerir líquidos de forma fracionada ao longo da prova, especialmente no calor. Não dependa só de água. Em corridas longas e quentes, a perda de eletrólitos como sódio e potássio pode causar câimbras e mal-estar. Bebidas isotônicas ajudam a repor esses sais. Atenção aos sinais de alerta. Tontura, confusão mental, dor no peito, falta de ar fora do esperado, visão turva e perda de coordenação não são “cansaço normal”. Nesses casos, a orientação é parar e procurar atendimento. Evite experimentar suplementos no dia da prova. Géis de carboidrato, isotônicos e cafeína devem ser testados nos treinos. Usar algo novo na largada aumenta o risco de náusea e desconforto gastrointestinal. Ajuste o ritmo; caminhar também é estratégia. Largar forte demais é um erro comum. Alternar corrida e caminhada, sobretudo nas subidas, ajuda a controlar o esforço e reduzir riscos. Respeite seus limites. Forçar até o fim pode causar lesões musculares e, em pessoas suscetíveis, eventos cardíacos. Chegar bem é mais importante do que bater tempo. Quenianos dominam prova da São Silvestre em 2024
