
Animal se fingindo de morto? Entenda o motivo Nas últimas semanas, um vídeo de um gambá-de-orelha-branca (Didelphis albiventris), popularmente conhecido como saruê, viralizou nas redes sociais e chamou a atenção dos internautas. O registro foi compartilhado pelo biólogo Christian Raboch Lempek, conhecido pelo trabalho com resgate de animais silvestres, e mostra um encontro inusitado: o gambá aparece deitado, imóvel, fingindo-se de morto, inclusive com a língua para fora. A cena despertou surpresa e curiosidade, levantando questionamentos sobre o comportamento do animal. Esse tipo de estratégia de defesa é conhecido como tanatose. “Eu fiquei surpreso, na verdade, porque até então não sabia que o gambá fazia isso. Embora já conhecesse as táticas da mordida e do mau cheiro, ver a tanatose pela primeira vez foi muito interessante. Após colocar o animal perto do mato e me afastar por alguns minutos, observei que ele abriu o olho e retornou para a mata, confirmando que estava apenas fingindo”, relata Lempek. O que é a tanatose? É um comportamento adquirido evolutivamente como mecanismo de defesa para diversas espécies, ou seja, não é algo aprendido pelos animais durante a vida, portanto já nascem sabendo utilizar essa estratégia. A tanatose funciona como uma estratégia para enganar predadores e escapar de uma possível predação. Muitos animais são “programados” para caçar e consumir apenas presas vivas e, por instinto, evitam carcaças, que podem representar risco de doenças, carne em decomposição ou até sabor desagradável. A tanatose funciona como uma estratégia para enganar predadores e escapar de uma possível predação Christian Raboch Lempek Dessa forma, ao se fingir de morto, a presa consegue contornar a situação, fazendo com que o predador perca o interesse e se afaste. Esse fenômeno biológico também traz benefícios indiretos para a reprodução e a seleção natural das espécies. Indivíduos capazes de recorrer à tanatose aumentam suas chances de sobrevivência e, consequentemente, de transmitir seus genes às próximas gerações. Em alguns casos, o comportamento vai além da imobilidade aparente e envolve alterações fisiológicas, como a redução da frequência cardíaca, da respiração e da temperatura corporal. Essa estratégia é adotada por um grupo bastante amplo de animais, que inclui mamíferos, anfíbios, répteis e insetos. Sobre a espécie O gambá-de-orelha-branca é um mamífero pertencente ao grupo dos marsupiais — o mesmo dos cangurus australianos. A principal característica desse grupo está na reprodução: os filhotes nascem em um estágio muito precoce de desenvolvimento e continuam a crescer dentro de uma bolsa externa no corpo da mãe, chamada marsúpio. A gestação dura entre 12 e 14 dias, e as crias permanecem cerca de 46 dias na bolsa materna. Cada gestação pode resultar no nascimento de 4 a 14 filhotes. A espécie apresenta grande variação de coloração, com indivíduos que vão do mais escuro ao quase branco, sendo o cinza-claro o mais comum. As orelhas esbranquiçadas ajudam a diferenciá-lo do gambá-de-orelha-preta, uma espécie bastante semelhante. O gambá-de-orelha-branca ocorre em quase todo o Brasil, exceto na Amazônia Marcio Varchaki/VC no TG Os animais medem entre 30 e 44 centímetros e pesam de 500 gramas a 2,5 quilos. De hábitos noturnos, costumam se esconder durante o dia em ocos de árvores e troncos, além de serem excelentes escaladores. São solitários, exceto no período reprodutivo. Conhecidos popularmente como saruês, esses animais exercem um papel importante no controle de pragas, ao se alimentarem de escorpiões, aranhas e até cobras. “Ele tem uma proteína no corpo que o torna imune ao veneno de escorpiões, aranhas ou serpentes peçonhentas. Então, é um animal muito importante para nós”, afirma o biólogo. Gambá-de-orelha-branca Hugo Vinicius de Sousa Albuquerque Filho/iNaturalist Onívoros, os gambás-de-orelha-branca têm uma dieta variada, que inclui insetos, pequenos invertebrados, frutos, sementes, roedores, cobras, aves de pequeno porte, lagartos, rãs e, ocasionalmente, restos de comida humana ou carniça. A espécie conta com três mecanismos principais de defesa. “Uma defesa é a mordida, a outra é a liberação de um líquido com mau cheiro por uma glândula perianal. E a terceira, que é a última à qual ele recorre, é a tanatose”, explica Lempek. Vale destacar que o gambá-de-orelha-branca não lança “jatos de odor” como a doninha-fedorenta (Mephitis mephitis), comum na América do Norte. Embora possa exalar um cheiro desagradável para marcar território, atrair parceiros ou em situações de extremo estresse, essa característica não costuma causar incômodo significativo aos seres humanos, diferentemente do que ocorre com a espécie norte-americana. Inspiração O biólogo falou também sobre o trabalho com resgate de animais silvestres e as motivações que o levaram a seguir esse caminho. “Eu sempre tive muito contato com a natureza. Quando comecei a faculdade de biologia, meu foco sempre foi trabalhar com animais. A primeira oportunidade de atuar no resgate de fauna foi algo muito gratificante. Resgatar, salvar e devolver o animal à natureza é algo extremamente gratificante”, relata. Christian se destaca ainda por compartilhar sua rotina nas redes sociais, onde mostra de perto o trabalho de resgate e os cuidados com a fauna silvestre, somando mais de 4 mil resgates realizados. “A escolha pela biologia surgiu justamente desse contato prévio e da curiosidade em compreender o funcionamento da vida. Assim, é possível entender melhor o ambiente em que vivemos, os animais ao nosso redor e como tudo funciona sob os aspectos biológico e ecológico. É tudo muito curioso e interessante!”, conclui. *Texto sob supervisão de Lizzy Martins. 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