Déficit na educação, influência de facções e infraestrutura ruim: TCE aponta problemas em unidades socioeducativas do RN

Published 11 hours ago
Source: g1.globo.com
Déficit na educação, influência de facções e infraestrutura ruim: TCE aponta problemas em unidades socioeducativas do RN

Imagens do Case Pitimbu e do Case Caicó Divulgação/TCE-RN Influência de organizações criminosas, problemas de infraestrutura nas unidades e frequência de visitas muito espaçada. Esses são alguns dos pontos expostos no relatório final de Auditoria Operacional do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RN) sobre as unidades socioeducativas da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fundase) no Rio Grande do Norte. O g1 e a Inter TV tiveram acesso integral ao documento nesta segunda-feira (15). A auditoria avaliou - entre janeiro de 2023 e junho de 2025 - quatro unidades de internação de adolescentes no estado: em Natal, Parnamirim, Mossoró e Caicó. O relatório aponta ainda que há perda da essência pedagógica nas unidades, falta de atividades e déficit na educação. 📳 Clique aqui para seguir o canal do g1 RN no WhatsApp Em agosto deste ano, o Ministério Público do Rio Grande do Norte emitiu 14 recomendações para sete unidades socioeducativas do estado. No documento, o órgão também citou problemas estruturais nos prédios, como muros baixos, mofo acumulado e goteiras - algo reforçado no documento do TCE-RN. 🔎 As unidades socioeducativas do RN são conhecidas como centros de Atendimento Socioeducativo (Cases), responsáveis por receber os menores infratores -- aqueles que cometem crime, mas estão abaixo da idade legal de 18 anos para serem presos. O relatório do TCE também indicou que a Fundase não possui uma metodologia formalizada nem indicadores consolidados para monitorar a eficácia das medidas ou a reincidência infracional. Os dados são coletados, mas não são tratados para gerar inteligência de gestão. "A auditoria constatou algumas fragilidades. O que mais chamou a atenção foi o contraste entre o que deveria ser uma medida pedagógica e aquilo que a gente constatou nos centros", explicou o auditor de controle externo do TCE, Valber Campêlo. "A gente viu fragilidades de natureza pedagógica, de natureza de falta de manutenção da infraestrutura nos centros e, principalmente, uma falta de integração das ações da rede de atendimento socioeducativo", completou. O relatório também apontou que os adolescentes infratores citaram problemas com comidas estragadas, o que foi reforçado à Inter TV e ao g1 por agentes socioeducativos, que preferiram não se identificar. "Foram descritos episódios de fornecimento de alimentação estragada ou com pouca variedade nutricional, o que compromete a aceitação das refeições. Acrescenta-se, também, baixa qualidade e quantidade insuficiente de itens básicos de higiene pessoal (sabonete, shampoo e creme dental) e colchões em condições precárias de uso, frequentemente descritos como antigos, sujos e infestados por 'pichilingas' — termo popularmente utilizado para se referir a ácaros, percevejos ou pulgas, que podem provocar coceira, vermelhidão e outras reações alérgicas", citou o relatório. Alimentação nos Cases, unidades socioeducativas do RN Cedidas ➡️ Problemas têm sido recorrentes nos últimos anos nas unidades. Em março de 2024, a parte de um muro do Case Pitimbu, que fica em Parnamirim, na Grande Natal, caiu devido às fortes chuvas. Na época, foi necessário o uso de uma barreira provisória no espaço. ➡️ Já em julho de 2025, a Justiça do Rio Grande do Norte proibiu que o Case Caicó, no Seridó do Rio Grande do Norte, recebesse novos internos adolescentes por falhas estruturais, sanitárias e de segurança consideradas graves na unidade. Além dos problemas apontados pelo relatório, o TCE também recomendou algumas ações para a Fundase aplicar nos Cases, como reestruturar a proposta educacional e garantir oferta de cursos profissionalizantes (veja mais abaixo as propostas). Justiça suspende chegada de novos internos no CASE de Caicó Problemas apontados pelo relatório do TCE Descaracterização do caráter pedagógico Segundo o TCE, a medida de internação do adolescente perdeu a essência pedagógica, criando semelhanças com um encarceramento. O relatório aponta que há longos períodos de ociosidade forçada, onde os adolescentes ficam trancados nos alojamentos sem atividades. "Os centros socioeducativos apresentam fragilidades importantes, principalmente com relação a ao número número de atividades estimulantes e formativas do caráter e que vão ajudar o jovem a ser ressocializado. Porque veja, não há vantagem para o Estado cuidar apenas da guarda desse menor durante o processo de internação. É preciso também cuidar das vulnerabilidades sociais. Diante desse cenário, a sociedade acaba sendo punida duplamente", explicou o auditor Valber Campêlo. "Porque o Estado ele perde o momento de ressocializar o jovem em tempo e local mais adequado e também, depois, esse jovem é reinserido na sociedade ainda mais velho e com uma vulnerabilidade maior de voltar ao cometimento de atos infracionais, crimes e associação ao crime". Para o TCE, a oferta de atividades esportivas, culturais e de lazer é esporádica e insuficiente. Em nota, a Fundase informou que cada unidade dispõe de cronograma de atividades específico. "Há iniciativas da equipe técnica, de agentes socioeducativos e de parceiros para oferta de ações sociopedagógicas", citou. Segundo a fundação, há, entre essas atividades, o projeto "Aprendizagens para o mundo do trabalho", em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e o Ministério Público do Trabalho (MPT-RN), e com acompanhamento do Tribunal de Justiça (TJ-RN). "Estudantes bolsistas, professores e pesquisadores dos cursos de Pedagogia, Serviço Social, Psicologia, Matemática, Artes Visuais e Educação Física da UFRN desenvolveram atividades educativas que possam contribuir com a profissionalização de jovens em privação e restrição de liberdade", citou. Segundo a Fundase, o MPT também oferta o curso de pré-aprendizagem “Aprendendo a Aprender” para socioeducando e egressos, junto com o Instituto Estadual de Erradicação do Trabalho Infantil (Infoca-RN) e a Secretaria Estadual do Trabalho, da habitação e da Assistência Social (Sethas-RN). A formação vai culminar com empregabilidade por meio do Programa Jovem Aprendiz, segundo a fundação. Influência de facções criminosas O documento aponta ainda que a dinâmica interna das unidades é influenciada por facções criminosas. Isso, por exemplo, aparece na separação de jovens nos alojamentos, que segue a lógica de pertencimento a esses grupos para evitar conflitos. "A prática, concebida como estratégia de contenção de conflitos, institui uma lógica de funcionamento que privilegia a separação e o controle em detrimento da integração e da convivência, pilares essenciais do processo de ressocialização", cita o documento. Para o TCE, isso fortalece a cultura do crime e enfraquece a autoridade pedagógica. "A consequência direta é a reconfiguração da rotina socioeducativa em torno da lógica da segurança e da contenção de riscos, com a centralidade das atividades sendo gradualmente transferida da dimensão pedagógica para a lógica de neutralização da violência entre os internos", aponta o relatório. "Nessa racionalidade, as atividades coletivas são progressivamente restringidas e substituídas pela permanência dos adolescentes em alojamentos, com o objetivo de evitar confrontos e preservar a integridade física de internos e servidores, o que reduz drasticamente o acesso a aulas, oficinas, esportes e atividades culturais". Deficiências na educação e profissionalização Segundo o relatório, há um déficit na oferta de ensino nas unidades. O documento aponta que há predominância da Educação de Jovens e Adultos (EJA) mesmo para quem não tem perfil, que a carga horária é inferior à exigida por lei (déficit de 33% a 43% nas horas) e que há uso de "arranjos alternativos" onde os jovens estudam sozinhos no alojamento. Em nota, a Fundase informou que nas unidades de internação predomina a modalidade de EJA pela porque a maioria dos adolescentes que ingressa no sistema tem essa demanda. "Entretanto, foi iniciado um processo de construção de um projeto piloto específico para atuação no âmbito da educação nessas unidades, buscando garantir a modalidade de ensino regular. Estão envolvidos nessa iniciativa diferentes setores da SEEC e a Fundase para atender Case Pitimbu, Casef Padre João Maria, Case Caicó e Case Mossoró", informou a Fundase, em nota. Além disso, cita o relatório, a oferta de cursos profissionalizantes é baixa, com cobertura de apenas 19% em 2024. Segundo o documento, a maioria dos cursos são de curta duração, online (EaD) e sem estrutura adequada, tendo, por exemplo, falta de computadores. Além disso, os cursos dependem de iniciativas pontuais sem financiamento estruturado. O documento ainda aponta uma falta de articulação formal entre a Fundase e as Secretarias de Educação (SEEC) e do Trabalho (SETHAS). Problemas críticos de infraestrutura e serviços Assim como apontaram as vistorias do Ministério Público do Rio Grande do Norte, a avaliação do TCE também apontou que as unidades apresentavam graves problemas, como infiltrações, falhas elétricas e hidráulicas, além de mofo -- fato apontado também pelo Ministério Público do RN. Segundo o relatório do TCE, não há contratos ativos de manutenção nem planejamento preventivo. O documento apontou ainda a inexistência de planos de combate a incêndio e equipamentos de segurança, como extintores ou até sinalização, o que está em desconformidade com as normas. Casef Padre João Maria e Case Pitimbu: problemas de infraestrutura Divulgação/TCE-RN O TCE relatou também que houve paralisação dos serviços de limpeza terceirizada por falta de pagamento, e que os serviços de limpeza tem sido realizado de forma improvisada por outros servidores. Em nota, a Fundase informou que recentemente contratou empresas para manutenção de unidades. "Os serviços foram iniciados em Natal (Casemi Nazaré), Mossoró (Casemi Santa Delmira) e Caicó (Case Caicó e Casep Seridó), e o Plano de Manutenção Preventiva e Corretiva está em estudo. Quanto aos serviços de ASD, novos trabalhadores começaram a chegar às unidades nesta segunda-feira (15), com novo contrato", citou. Falhas na gestão e participação Segundo o relatório, a Fundase não elaborou nem inscreveu formalmente o Programa de Atendimento da internação no Conselho Estadual (Consec/RN), descumprindo a lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase). As unidades também não possuem Conselhos Gestores instituídos, o que impede a participação democrática de adolescentes, famílias e servidores na gestão, de acordo com o órgão. O relatório apontou ainda que, embora haja visitas, em algumas unidades (como no Case Pitimbu), a frequência é quinzenal, contrariando a recomendação de contato semanal. A Fundase garatiu que investe nos Conselhos de Responsabilização, que também envolve os adolescentes. O regimento interno da Fundação menciona a formação dos Conselhos Gestores nos centros de internação, mas sem o devido detalhamento, segundo a fundação. "Foi realizado recente diálogo com as unidades de atendimento e a partir das principais questões e dificuldades de cada tipo de medida socioeducativa está sendo construída uma portaria com elementos que vão nortear a constituição dos conselhos, pensando formatos de participação de familiares", informou a Fundase, em nota. Recomendações e determinações No relatório, o TCE determinou que a Fundase elabore e inscreva imediatamente o Programa de Atendimento no Consec/RN e que institua os conselhos gestores nas unidades. Além disso, recomendou à Fundase: firmar acordos de cooperação técnica com as as Secretarias de Educação (SEEC) e do Trabalho (SETHAS); reestruturar a proposta educacional e garantir oferta de cursos profissionalizantes; retomar contratos de manutenção e limpeza e criar plano de prevenção a incêndios; criar uma metodologia de monitoramento com indicadores claros. "Nesse primeiro momento, o tribunal [TCE] vai exercer sua função orientativa em que espera-se que o gestor possa elaborar um plano de ação para colocar em prática as todas as determinações e recomendações. Mas, em um segundo momento, permanecendo essas lacunas identificadas e não havendo justificativa por parte do gestor, esses gestores podem ser responsabilizados de alguma forma", explicou o auditor Valber Campêlo. Vídeos mais assistidos do g1 RN

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