
Festa reúne diferentes culturas em celebração do aniversário de Jundiaí O som alto e animado faz parte da felicidade de simplesmente estar junto. Foi no bairro Traviú, em meio ao verde de Jundiaí (SP), que a família Tomazeto fez morada. Descendentes de italianos, eles viram o bairro se transformar a partir da cultura dos imigrantes, com um sotaque que se mantém vivo até hoje. Para celebrar o aniversário de 369 anos de Jundiaí (SP), a TV TEM preparou uma reportagem especial sobre a diversidade cultural. 📲 Participe do canal do g1 Sorocaba e Jundiaí no WhatsApp "Aqui nós crescemos, nascemos, temos a nossa língua, a nossa comida, nossa família. Todo mundo tem um carinho especialíssimo pelo Traviú", conta a empresária Diná Tomazeto. "No Traviú, quando eles vieram, não falavam português, só italiano. Quando as crianças cresceram, começaram a falar um português muito misturado. E como o Traviú está a 12 km do centro, a gente ficou meio isolado, morando, 'parlando', fazendo tudo aqui. E aí ficou esse sotaque bem característico", explica Diná. O "R" é o principal diferencial, mas há muitas palavras que só são faladas no bairro. "Vasca", por exemplo, é o tanque de lavar roupa. O sotaque diferente ainda mantém as tradições passadas de geração em geração, principalmente nas reuniões em família. Se os idiomas se misturam, a culinária reverencia os antepassados. No fogão a lenha, tudo é preparado com amor e raízes, e na cozinha da família não é diferente. A cozinheira Maria Tomazetto concorda que, se há algo que o mundo inteiro ama, é comida. E com os italianos, não é diferente. Enquanto prepara o prato, ela diz em italiano: "La bella polenta è così, così. Guarda, guarda..." (A bela polenta é assim, assim. Veja, veja...). "É uma tradição na nossa família. Meus pais tiveram 10 filhos. Todos os dias nós comíamos polenta. Nosso jantar era polenta com linguiça ou com ovo. Crescemos com polenta. Eu tenho um amigo que diz: uma mesa, um teto e amigos é tudo o que o ser humano precisa", conta Maria. O cafezinho passado na hora divide espaço com o crustoli, receita da nonna. Aqui, o tempo passa devagar, no ritmo necessário para se conectar com a essência da Itália. Carolina Tomazetto, que veio de lá, celebra essa conexão. Prato crustoli, receita da nonna Reprodução/TV TEM "Sabe que muitas vezes, quando falamos algumas coisas que são do dialeto daqui do Traviú, as pessoas lá na Itália falam: 'olha, esse não é um italiano tradicional, mas um dialeto de Veneto, de Trento' ", conta. Para ela, um bom almoço italiano é exatamente o que se vê ali: "Comida boa, companhia boa, vinho, com a família junto, conversando. Viva." É um refúgio em Jundiaí com a cara e o som da Itália. Diná se diverte ao lembrar de uma história. "Uma vez eu estava em Jundiaí e me pediram uma informação. Eu falei: 'Ó, você vai por aqui, vira na J.J. ‘RRRodrigues’, aí pega a ‘RRRRua’ do ‘RRRosário'. A pessoa me olhou e falou: 'Viu, de onde você é?'. Eu disse: 'Sou do Traviú'. E ela: 'Ah, bem que eu sabia que você não era do Brasil'", relembra. A Jundiaí de que Diná fala se expande para além do Traviú. O centro da cidade é um retrato vivo de sua história, entre prédios que atravessam gerações. Os janelões para o calçadão destacam memórias que ajudam a contar histórias de quem foram e quem ainda são. Calçadão da Rua Barão de Jundiaí Reprodução/TV TEM Caminhando poucos passos, é possível encontrar a Catedral Nossa Senhora do Desterro, referência de fé, arquitetura e tradição. É onde está a padroeira de Jundiaí, que inspira tantas histórias e devoções. Mas para encontrar outra comunidade gigante da cidade, não é preciso cruzar oceanos. É só andar por algumas ruas. O calçadão da Rua Barão de Jundiaí também é um palco de culturas. É lá que encontramos Murad Mohamed, vindo do Cairo, no Egito. "Quem vier aqui vai sentir que aqui é o paraíso. A primeira coisa que qualquer estrangeiro vai procurar no Brasil é a parte de segurança. E Jundiaí é a cidade mais segura no Brasil inteiro", destaca o comerciante Mourad Mohamed. Com seu carisma e sotaque marcante, Murad, o "jundiaiense" do Cairo, já virou uma figura conhecida no centro. Ele nota as diferenças culturais. "No Egito, a gente se cumprimenta com dois beijos no rosto. Aqui no Brasil, no máximo um abraço. Lá, homem não cumprimenta mulher com beijo, só 'oi, tudo bem?'. Mas aqui no Brasil, a pessoa te recebe bem, quer oferecer comida, te convida pra um churrasco na casa dele. 'O árabe chegou, bora pro churrasco no fim de semana?'. Isso não acontece em nenhum lugar do mundo", conta. Murad Mohamad realizando a terceira de suas cinco orações diárias Reprodução/TV TEM Parte da cidade há mais de 50 anos, Murad conta como aprendeu o português "na raça". "Eu só aprendi aqui, me comunicando com as pessoas. Por exemplo, eu não sabia a palavra 'guardanapo'. Aí eu pedia 'papel', e me davam uma folha de papel. Eu tinha que explicar: 'sabe aquele negócio que a gente limpa a mão depois de chupar o sorvete?'. 'Ah, guardanapo!'. Tem que ser esperto", destaca Mourad. Em outro cantinho do centro, onde a vida não para, Mourad trabalha com ouro, refazendo peças antigas. Ele é muçulmano e segue rigorosamente a doutrina do Islã. Durante a entrevista à TV TEM, o relógio marcou 15h, e ele precisou interromper a conversa para a terceira de suas cinco orações diárias, sempre em direção a Meca. A última oração do dia é na mesquita. O Centro Islâmico de Jundiaí é frequentado por ele e por cerca de 400 famílias que fazem pulsar a Jundiaí muçulmana. Com naturalidade, Mourad e sua comunidade transitam entre dois mundos: o das memórias do Egito e o da vida que construíram aqui. Frequentadores no Centro Islâmico de Jundiaí Reprodução/TV TEM A diversidade de Jundiaí não cruzou apenas oceanos. Há também um povo que veio de bem mais perto, mas de outro lado do Brasil, e que ajudou a construir a cidade. Quase 37 mil nordestinos vivem no município, e a maior comunidade está no Jardim Novo Horizonte. No Jardim Guanabara vive a família de dona Helena Mendes Gomes, um retrato vivo desse povo. Ela conta que veio de Canindé, no Ceará, em 1978. "Lá não tínhamos muito recurso, emprego, éramos uma família muito grande e unida. Fizemos uma 'carreirinha de formiga': um foi buscando o outro até nos encontrarmos todos aqui. Hoje, todos moram em Jundiaí, todos perto", relata. Dos 12 irmãos que vieram, todos construíram seu alicerce na cidade. "Graças a Deus valeu a pena. Eu amo Jundiaí." A jundiaiense do Nordeste prepara um prato típico, o cheiro de coentro, pimentões e cebolinha enche o ar. É o baião de dois, uma das muitas heranças que trouxeram do Nordeste. Hoje, boa parte dos irmãos vive do comércio, com quatro bares da família espalhados pela cidade. Esses locais são pontos de encontro onde, toda segunda-feira, há 13 anos, eles preparam 30 quilos de pé de frango e distribuem para clientes e vizinhos. Há sempre um carteado, boa conversa e muito sotaque nordestino. Para acompanhar o jantar, nada melhor que comida e música boa. Entre os irmãos está José Adauto, pedreiro de segunda a sexta e sanfoneiro nos finais de semana. Ele guarda o Nordeste no peito e na música. "Eu agradeço muito a cidade de Jundiaí por ter acolhido não só a mim, mas toda a minha família e todos os nordestinos que moram aqui. É uma cidade maravilhosa. Hoje nós temos quase duas naturalidades: uma no Ceará e a outra aqui em Jundiaí", diz ele, emocionado. Em Jundiaí do forró também cabem outros ritmos, na Vila Arens, berço da industrialização e bairro de tradição, onde a história se mistura com a de Rudy, o Elvis Presley jundiaiense. "A Vila Arens representa minha família, e a Ponte Torta, com mais de 100 anos, é um patrimônio histórico", diz o cantor. Ele foi batizado na igreja do bairro, onde seus pais e tios se casaram. Rudy, o Elvis Presley jundiaiense Reprodução/TV TEM Há 26 anos, Rudy se tornou um sósia do ídolo mundial do rock. De todos os palcos onde brilhou, um é destaque: o Teatro Polytheama, um dos poucos teatros centenários ainda em atividade no Brasil. Para Rudy, é um "templo sagrado". No camarim, os bastidores preparam o artista para ganhar a luz, mas é no jeito de falar que quem é daqui se reconhece. "O sotaque do jundiaiense tem muito a ver com a colonização italiana. Então tem a coisa do 'ó' , 'ó, tudo bem?'. O 'leite quente' que lembra um pouco o Sul. E de alguma forma isso vem da cultura italiana. Com certeza dá pra reconhecer um jundiaiense pelo sotaque", explica. Nas letras que canta, o inglês se sobressai, mas com um toque verde-amarelo e jundiaiense. "Eu amo minha cidade. Costumo dizer que, por onde eu estiver, Jundiaí vai estar comigo", afirma. Ele até faz adaptações: "Tem uma assim: 'Onde eu nasci... em Jundiaí... Oh, pretty woman!' ". É no palco que esse filho de Jundiaí se sente em casa, onde a música e a dança traduzem o orgulho da cidade. Rudy, o Elvis Presley jundiaiense Reprodução/TV TEM "Ele é o filho dessa terra e é o orgulho de Jundiaí, eu deixo de ir nas baladas de São Paulo pra vir aqui pra Jundiaí", diz Shirley Mirandola, fã e dona de casa. Jundiaí do forró, do árabe, do italiano. Uma cidade de todos os estilos e todos os sotaques. Uma cidade que tem em seu DNA várias misturas e jeitos de falar. Uma linguista explica. "Desde sempre as línguas passam por variações, porque refletem as mudanças socioculturais de seus falantes. Quem mora em Jundiaí, seja o migrante que chegou ou quem está aí há muito tempo, precisa saber que é resultado de migração. Nossa identidade é plural, é resultado dessa miscigenação que aconteceu, acontece e vai continuar acontecendo”, explica. É essa variação de sons que ajuda a redefinir, a cada dia, a identidade de uma cidade tão multicultural. Imagem aérea de Jundiaí Reprodução/TV TEM Veja mais notícias da região no g1 Sorocaba e Jundiaí VÍDEOS: assista às reportagens da TV TEM
