Candidato cego diz que recebeu nova prova errada em reaplicação do Enem; Polícia Civil investiga

Published 3 hours ago
Source: g1.globo.com
Candidato cego diz que recebeu nova prova errada em reaplicação do Enem; Polícia Civil investiga

Estudante cego recebe prova errada no Enem, tem reaplicação negada pelo Inep e Justiça manda refazer exame Arquivo pessoal O estudante cego Alison Marques, de 31 anos, afirmou que voltou a ter seus direitos violados no Enem 2025 ao receber, na última quarta-feira (17), um caderno de prova inadequado para candidatos com deficiência visual, mesmo após a Justiça Federal determinar a reaplicação do exame com garantia de acessibilidade. Diante do novo episódio, ele registrou um boletim de ocorrência na 35ª DP (Campo Grande), e a Polícia Civil informou que abriu investigação sobre o caso. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias do RJ em tempo real e de graça Segundo Alison, o material entregue na reaplicação não continha a descrição textual de imagens, gráficos e tabelas, recurso essencial para a atuação do ledor, profissional que auxilia candidatos cegos durante a prova. Repórter do g1 conta como descobriu questões antecipadas do Enem O problema ocorre após uma sequência de falhas enfrentadas pelo estudante ao longo desta edição do exame, tanto na aplicação regular, em novembro, quanto na tentativa de reaplicação do primeiro dia, na terça-feira (16), quando ele foi impedido de fazer a prova por falta de informação prévia sobre o local, como Alison informou. A Polícia Civil confirmou ao g1 que a investigação está em andamento e que diligências serão realizadas para apurar os fatos relatados pelo candidato. O advogado Alonso Bartolazzi Barbosa, que representa Alison, informou que vai protocolar uma petição intercorrente junto à Justiça Federal relatando os novos acontecimentos e pedindo a adoção de medidas urgentes contra o Inep. A defesa do candidato também vai pedir uma indenização pela impossibilidade de Alison fazer a prova esse ano. "Claro que isso não vai devolver tempo dele de ter que esperar mais um ano para poder ter a possibilidade de fazer a prova, isso não vai devolver todo o estresse que ele teve, toda a humilhação que ele passou, em ver seus direitos negados, em ser maltratado pelos funcionários do Enem", afirmou o advogado. Especialista aponta falha A advogada Sarita Lopes, especialista em direito das pessoas com deficiência, analisou o caso de Alison e afirmou que "se o caderno entregue não traz essas descrições, o serviço se torna, na prática, inacessível, caracterizando falha na prestação, ainda que exista ledor formalmente designado". "Em matéria de acessibilidade, não basta a administração afirmar que houve 'atendimento especializado'. É necessário que ele seja efetivo e apto a garantir igualdade real de condições", explicou Sarita. Na prova do dia 17 de dezembro, Alison recebeu o caderno de prova número 11, diferente do que havia determinado a liminar da Justiça. Arquivo pessoal Para a especialista, a decisão liminar que garantia o direito de Alison a uma prova específica já deixava claro que o candidato deveria receber o 'Caderno do Ledor - Caderno 9 – Laranja'. "A liminar é objetiva ao diferenciar os formatos e ao indicar que a opção por auxílio de leitura e transcrição dá direito a uma prova diferente: a Prova do Ledor", disse Sarita. "Além disso, o próprio pedido requer que o Inep assegure a disponibilização e entrega do 'Caderno do Ledor - Caderno 9 – Laranja', com descrição integral de imagens, gráficos e tabelas, viabilizando o trabalho do ledor", reforçou a advogada. Sarita Lopes acredita que a falha dos organizadores do Enem pode resultar em uma indenização. "A própria liminar enquadra a conduta como 'erro de execução de procedimento de aplicação', reconhecendo o impacto concreto na realização do exame", explicou. Precedente em 2016 Ao g1, a advogada relembrou um caso de 2016 que pode servir de precedente para a defesa de Alison. Na ocasião, candidatos com Síndrome de Asperger tiveram garantidos suportes como sala própria e tempo adicional, mas isso não bastou porque o Inep falhou no cuidado com a adequação da prova e dos critérios de correção às necessidades específicas deles. Sala de aula onde candidatos realizam a primeira prova (imagem de arquivo) Júlio César Costa/g1 Para Sarita, tanto em 2016 como no caso de Alison, o suporte oferecido foi 'especializado' apenas no papel, mas falhou na execução. "O precedente ainda reforça a ideia de isonomia material (igualdade real) e menciona omissão/descumprimento do art. 30 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, com 'severo desnivelamento de condições de acesso'", comentou Sarita. No caso de 2016, o Inep foi condenado a pagar: R$ 25 mil por danos morais (pela teoria da perda de uma chance) para cada autor. R$ 10 mil de multa por descumprimento parcial ou inadequado das adaptações determinadas judicialmente Registro de ocorrência e investigação No boletim registrado na Delegacia de Campo Grande, Alison relatou que o caderno de prova entregue na quarta-feira não correspondia ao modelo destinado a candidatos com deficiência visual que utilizam ledor. De acordo com o estudante, o material não trazia as legendas com a descrição textual de imagens e gráficos, o que inviabiliza a leitura adequada das questões e compromete novamente a igualdade de condições em relação aos demais participantes do Enem. Por ser cego, Alison deveria ter realizado a prova com o Caderno do Ledor – Caderno 9 (laranja), que contém a descrição integral de imagens, gráficos, tabelas e figuras. No entanto, segundo ele, foi entregue o Caderno 11 (laranja) Superampliado (Macrotipo 24), que possui prova impressa com letra ampliada e imagens maiores, mas não apresenta as descrições textuais necessárias para o trabalho do ledor. Impedido de fazer prova na terça-feira O novo problema aconteceu um dia após Alison ter sido impedido de realizar o primeiro dia da reaplicação do Enem. Apesar de ter obtido uma liminar da Justiça Federal, concedida no dia 11 de dezembro, ele não conseguiu fazer a prova na terça-feira (16) por não ter recebido com antecedência a confirmação do local do exame. Segundo o estudante, apenas às 12h27 ele foi informado de que a prova seria aplicada em Campo Grande, na Zona Oeste do Rio. O fechamento dos portões estava previsto para as 13h. Naquele momento, Alison — que mora em Santa Cruz, também na Zona Oeste — já estava no CEFET do Maracanã, na Zona Norte, onde realizou a prova regular e acreditava que aconteceria a reaplicação. Com a informação tardia, ele se deslocou até Campo Grande, mas, ao chegar, foi informado de que o horário de entrada havia sido encerrado. Após tentar explicar a situação e pedir autorização para realizar a prova fora do horário, o Inep confirmou, por volta das 15h, que Alison não poderia fazer o exame porque o fechamento dos portões já havia ocorrido. Problemas na prova regular Alison se inscreveu regularmente no Enem 2025 com o objetivo de disputar uma vaga no curso de Administração, preferencialmente em uma universidade pública. No momento da inscrição, o Inep autorizou os recursos de acessibilidade previstos em edital, como ledor, transcritor, sala de fácil acesso e tempo adicional. À esquerda, uma questão da prova regular do Enem, sem descrição da imagem. À direita, a mesma questão no Caderno Laranja, com descrição da imagem para o ledor da prova. Reprodução Apesar disso, nos dois dias da aplicação regular, em novembro, o estudante afirmou ter recebido o Caderno de Atendimento Especializado, que não possui descrição de elementos visuais. Segundo ele, no primeiro dia, 53 questões continham imagens sem descrição. No segundo, 77 das 90 questões dependiam de elementos visuais para a compreensão adequada. Inep negou reaplicação Após a aplicação regular, Alison solicitou administrativamente a reaplicação do exame, com base no edital do Enem 2025, que prevê nova prova em casos de erro de execução do procedimento. O Inep indeferiu o pedido, alegando não haver problema logístico. Sem retorno efetivo, a defesa acionou a Justiça Federal, que concedeu liminar determinando a reaplicação do exame e a entrega do caderno correto, com descrição integral das imagens. Na decisão, a Justiça entendeu que houve erro na execução do procedimento e violação do direito à igualdade de oportunidades, garantido às pessoas com deficiência. O que diz o Inep Em nota enviada ao g1, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio (Inep), órgão responsável pela gestão das provas do Enem, informou que “um dos recursos oferecidos no atendimento especializado do Enem 2025 a que o participante teve direito na aplicação regular e na reaplicação é a Prova Ledor, usada apenas pelo profissional de apoio durante a aplicação”. O órgão, no entanto, não explicou por que Alison recebeu o Caderno de Prova 11 (superampliado) em vez do Caderno de Prova 9 — Caderno do Ledor, conforme determinado pela decisão judicial. Sobre a reclamação relacionada à falta de informação prévia sobre o local da prova, o Inep afirmou apenas que “recebeu a decisão judicial da reaplicação no dia 15 de dezembro e comunicou à instituição aplicadora”. Segundo o instituto, “a disponibilização do novo local na Página do Participante deu-se no mesmo dia”.

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